3 de janeiro de 2010

Reflexão final

Fazer uma reflexão final antes do fim pode parecer uma contradição dos próprios termos, mas, sendo a véspera da estreia da nossa peça o prazo para a publicação de posts neste blog é esta a altura duma reflexão final, não só do nosso projecto, mas também de toda a disciplina.

Em primeiro lugar, não posso não fazer uma pequena comparação entre esta disciplina de Pratica Teatral e a cadeira de Teatro e Interdisciplinaridade, que tive o ano passado, sempre com o professor Miguel Falcão. No final do primeiro semestre do ano passado fiquei parcialmente desiludido quando a disciplina de Teatro e Interdisciplinaridade porque achei quer as aulas, quer o projecto pretendido para a avaliação muito, se calhar demasiado, teóricos e pouco inerentes ao teatro. Este ano, pelo contrario, saio (esperamos) com satisfação desta disciplina.

De facto, podemos dividir o trabalho feito até agora em duas partes: a primeira, assim como se pode verificar neste blog, mais dedicada aos exercícios teatrais e a experimentação de diferentes técnicas teatrais; a segunda ocupada inteiramente do trabalho de preparação e realização da nossa peça “Os cornos de Cristo”.

Quanto à primeira parte do semestre, acho fundamental que futuros profissionais da ASC, como nós, conheçam algumas dinâmicas de grupo realizadas graças ao teatro e, como já afirmado, a única maneira de aprender e saber dinamizar estas actividades de um modo profissional e animado é experimentar em primeira pessoa a própria dinâmica no papel de participantes. Também a descrição e a reflexão sobre cada exercício, que nos foi pedida como método de avaliação, é fundamental para sistematizar o trabalho feito, para reflectir sobre o mesmo e para saber dinamizá-lo num futuro próximo. Para além disso, o desafio de pôr-se em jogo frente aos outros criou um ambiente positivo quer nas duas turmas de ASC, quer entre estas e a turma de Música na Comunidade.

Um outro aspecto fundamental é a experimentação de novas e diferentes técnicas teatrais, assim como fizemos para o teatro dos objectos, o teatro das sombras e o teatro de actor. Conhecer, promover e dinamizar actividades novas e novos métodos de trabalho com os nossos públicos-alvo é um objectivo intrínseco da ASC e, mais uma vez, a experimentação em primeira pessoa é fundamental. Com o conhecimento e a reflexão feita sobre estas novas técnicas poderemos contribuir para levar cada vez mais novos estímulos aos destinatários das nossas acções.

Passando a tratar o nosso pequeno projecto teatral de grupo, não posso negar uma ligeira frustração por não ter realizado um projecto teatral como grupo turma, como previsto no início da cadeira. Teria sido uma ocasião, tão rara no nosso curso, de trabalhar em grande grupo, com papéis e responsabilidade diferentes, para chegar a um resultado final em conjunto. Como sabemos, graças também aos posts precedentes neste blog, esta oportunidade não foi concretizada e, no final do mês de Novembro, começámos a trabalhar a um projecto com um grupo de 6 pessoas.

Com o trabalho quase concluído posso afirmar que trabalhámos bastante bem, dividindo, como espero se reflicta neste blog, o trabalho em partes e tentando trabalhar cada parte com o máximo de seriedade possível. A nossa escolha, uma novela do Decameron de Boccaccio, é sem dúvida provocatória e irónica, tratando temas “picantes” também nos dias de hoje, e não só no século XIV. Este seu carácter provocatório criou-nos alguns problemas e, a poucos dias da estreia, continuo pessoalmente a ter algum receio de ofender a sensibilidade das pessoas e de ter construído, com os meus colegas, um texto um pouco obsceno. Por outro lado, estou muito contente da nossa escolha porque acho a trama da novela genial e o próprio facto de ser um clássico da literatura italiana escrito no 1300 torna-o ainda mais fascinante. Continuando a reflexão sobre as possíveis utilizações das actividades desenvolvidas ao longo desta cadeira e sobre o proporcionar elementos sempre novos e inéditos aos nossos públicos acho que a nossa escolha e o nosso trabalho para a realização da peça vai neste sentido.

O facto de ter de montar um espectáculo completo deu-me a possibilidade, pela primeira vez, de pensar e tratar de todos os aspectos necessários a boa realização do mesmo: a escolha do texto, a cenografia, os figurinos, a música, as entradas e as saídas, a adaptação dum texto em prosa para um texto teatral, os ensaios e o factor tempo. Graças a esta nossa experimentação retenho-me capaz agora de refazer um novo espectáculo, sempre, como o nosso, pequeno e amador, com as pessoas com as quais irei trabalhar. É um facto que, ao longo deste projecto, recorremos poucas vezes à ajuda do professor, arriscando assim não satisfazer os objectivos pretendidos, mas, na minha opinião, esta autonomia nasce da boa divisão do trabalho que fizemos e do entusiasmo que cada membro do grupo demonstrou nas diferentes fases do projecto.

Finalmente queria propor uma pequena reflexão sobre este blog. Cada vez que publico um novo post acho esta plataforma mais direccionada aos objectivos pretendidos e explicados no primeiro post. Graças a este formato consegui acompanhar regularmente o trabalho feito, também fora da sala de aula, e neste último mês vi que este blog serviu de ajuda para outras pessoas, assim como nos propósitos iniciais. Ainda não sei se depois do fim deste semestre continuarei escrever neste blog, mas sem dúvida, até agora este demonstrou-se uma boa ferramenta de trabalho, também na óptica de aproximar o nosso trabalho académico com as novas tecnologias.

Depois deste post faltará só a actuação da nossa peça, no dia 5 de Janeiro, que, mesmo corra mal, não prejudicará todo o trabalho feito até agora, que na minha opinião foi enriquecedor e estimulante.

Música e cenografia

Como já referido escolhemos também utilizar a música em duas partes do nosso espectáculo: o intermezzo e o final. Para fazer isso e para procurar temas da mesma época da nossa novela pedimos a ajuda do professor Paulo Rodrigues que nos aconselhou três canções do ensemble Clemencic Consort.

Assim como apresentamos aqui o guião da peca achei correcto publicar também os extractos das duas canções que preparámos.


Música para o intermezzo
Fonte: Autoria própria


Música para o final
Fonte: Autoria própria

Quanto à cenografia tivemos algumas dificuldades em encontrar um crucifixo para por na parede, suficientemente grande e suficientemente barato, sendo esta uma produção a custo zero. Por isso decidi pintar um Cristo, utilizando uma imagem impressa para a cara, canetas de cor e tintas acrílicas. O resultado é este, mais um Cristo hippie do que um Cristo do século XIV, mas se calhar um Cristo hippie até faça mais sentido, numa peça como esta.


Cristo hippie
Canetas de cor e tintas acrilicas sobre cartão
Fonte: Autoria própria

1 de janeiro de 2010

Guião

Sendo o dia 4 de Janeiro a véspera da nossa estreia, o dia do ensaio geral e também o prazo último para a publicação oficial de posts neste blog decidi apresentar aqui o guião da nossa peça. Este guião, como já explicado nos posts anteriores, é o resultado de um trabalho feito quer a partir das duas versões escritas da novela, a portuguesa e a italiana, quer com base nos exercícios feitos nos ensaios por todos os participantes do grupo. A divisão das cenas, apresentada em cor-de-laranja, recupera a tabela feita no inicio do nosso trabalho e as falas apresentam-se sobretudo como uma ajuda aos actores, não como o texto definitivo. Isso porque, ao longo dos ensaios, vimos que, por vezes, o entusiasmo em representar, que julgamos nós será até maior no dia da estreia, leva-nos a modificar ligeiramente as falas aqui reportadas. O que interessa, e o fim último deste guião é a definição dos pontos chaves em cada cena, como a nomeação das outras personagens, as palavras que desencadeiam uma acção predeterminada feita por um outro actor e as falas mais engraçadas. Destas partes, no dia da apresentação, não podemos esquecer-nos, está em jogo todo o trabalho feito até agora e a boa realização da inteira peça.

Cena 1 Jardineiro velho vai-se embora
Só falas atrás da cortina, vozes tranquilas mas chatas
Voz 1 – “Põe isto aqui
Voz 2 – “Este trabalho está mal feito, senhor jardineiro
Voz 3 – “Agora tem de voltar a fazer tudo de novo à maneira, oh meu senhor
Jardineiro velho (zangado) – “Agora vou mas é embora. Estou farto de vocês e dos vossos trabalhos, nunca estão contentes e ainda por cima o salário é tão pequeno que nem dá para pagar as solas dos meus sapatos, adeus!
O jardineiro velho sai de atrás da cortina e entra em cena

Cena 2 Chegada do jardineiro velho à aldeia, festa e encontro com Masetto
O jardineiro velho sai de atrás da cortina e anda sozinho na cena ao encontro de um grupo de pessoas que o acolhem
Pessoas saem de atrás do placar preto
Aldeão 1 – “Bem-vindo amigo, há quanto tempo!
Aldeão 2 – “Finalmente de volta, depois de tantos anos de trabalho, sê bem-vindo, pá’
Masetto – “Então, conta-nos onde é que foste e porque é que voltaste?
Jardineiro velho – “Ai, Masetto, fui trabalhar muitos anos como jardineiro, num convento de freiras. Mas as freiras eram umas chatas, todas ainda jovens, nunca estavam contentes com o meu trabalho, havia sempre algum motivo para refilar e olha, ainda por cima, o ordenado era mínimo, nem dava para uma pipa de tabaco. Então fui-me embora, já estava farto, pá’
Masetto – “Eh lá… freiras todas jovens…
Jardineiro velho – “Sim, todas recém-ordenadas e chatas. Havia lá mais um feitor, que era o meu chefe, ele até me pediu para arranjar um substituto, mas quem é que quer ir lá, para aquele inferno!
Masetto – “Tens razão, meu amigo, que há de um homem fazer no meio das mulheres? Antes estar com diabos! Seis vezes em sete, nem elas próprias sabem o que querem.
Jardineiro velho – “Pois, malditas sejam, olha vou-me embora, que ainda tenho saudades de casa e da comida da minha irmã.
Masetto – “Adeus, adeus, mais uma vez bem-vindo e obrigado
Jardineiro velho e outros aldeões caiem da cena atrás da cortina e fica só Masetto

Cena 3 Masetto pensa sozinho
Masetto sozinho pensa em voz alta, andando de um lado para o outro da cena
Masetto – “Eh pá, freiras jovens e recém-ordenadas é um bom prato! Não posso deixar fugir esta ocasião. Vou já para o convento ver as meninas e para fazer com que o feitor me aceite como jardineiro. Não espera lá, de certeza que a mim, alto, bonito e jovem como sou, não me aceitam, sou demasiado tentador para todas as raparigas, imagina para uma freirita. Tenho de pensar num truque …mmhhh… já sei, o convento fica longe daqui, lá ninguém me conhece, posso fingir que sou mudo e assim elas até irão ter pena de mim, eheh!
Masetto põe-se a andar em direcção da cortina (convento)

Cena 4 Masetto chega convento, encontra o feitor e madre superiora
Feitor sai do convento
Masetto encontra o feitor a trabalhar
Com os gestos tenta comunicar que tem fome e quer trabalhar
Feitor – “Tens fome né? Queres trabalhar? Pareces-me bastante forte, toma, começa a arar aqui o campo da horta, já vamos ver se és capaz, arranja-me esta horta.
Masetto começa a trabalhar e entretanto chega do convento a Madre Superiora
Madre Superiora – “Ai nossa santa virgem, senhor feitor, quem é este jovem e o que que ele faz aqui?
Feitor – “Bom dia madre, este é um pobre surdo-mudo que passava por aqui, tentou fazer-me perceber que tinha fome e que queria trabalhar e então pu-lo a arranjar esta horta, que está a precisar desde que o outro jardineiro se foi embora. Queria também perguntar à madre se ele podia ficar a ajudar-me nos trabalhos, estamos mesmo a precisar e ele, cuidado, é surdo-mudo e parece-me também um pouco estúpido, mas lá que sabe trabalhar, sabe!
Madre superiora – “Então está bem, se você diz que estamos a precisar que assim seja, se calhar podemos também ajudar este filho de deus perdido, dê-lhe comida e ponha-o a dormir na barraca” e depois para o Masetto “sê bem-vindo rapaz, a família de deus acolhe-te nos seus braços como um filho
Masetto ri-se

Cena 5 Masetto a trabalhar e duas freiras jovens
Masetto trabalha sozinho no campo e ao convento chegam da esquerda duas freiras jovens falando entre elas
Freira 1 – “Se eu soubesse que tu não o contarias a ninguém, eu revelar-te-ia um segredo
Freira 2 – “Diz amiga, sabes que eu não abro a boca com ninguém
Freira 1 – “Nós estamos aqui fechadas nestas quatros paredes, mas eu ouvi dizer muitas vezes das mulheres da aldeia que toooodos os prazeres do mundo não são nada comparados com os prazeres da carne, tanto que eu fiquei com uma certa curiosidade. Só que os únicos dois homens aqui são o feitor, que é mais velho que o meu pai, e este jovem aqui, estúpido e surdo-mudo. Com toda esta curiosidade que tenho decidi experimentar com este rapazinho.
Freira 2 – “Mas…mas… o que estás a dizer? Nós prometemos a nossa virgindade ao Senhor, nós estamos casadas com Cristo!
Freira 1 – “Eeeeeh… nós prometemos, agora já ninguém está a ver se mantemos a nossa palavra. Olha este rapaz é perfeito, é bonito e parece mesmo bom, e ainda por cima é mudo! Mesmo que quisesse não vai contar a ninguém! Vamos fazer assim, eu levo-o à barraca onde ele dorme e tiro-me todas estas curiosidades que tenho e tu ficas cá fora a ver se alguém aparece e depois trocamos, boa?
Freira 2 – “Então está bem, agora despertaste também a minha curiosidade!
Masetto, olhando para o público, ri-se
A freira 1 vai buscar por mão Masetto, pega-lhe na mão e leva-o para atrás da cortina enquanto a freira 2 fica à porta com curiosidade.

Cena 6 1ª Cena de sexo
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
A freira 1 sai super contente, vai-se embora e troca com a freira 2

Cena 7 3ª freira e 2ª Cena de sexo
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
Do lado esquerdo entra a terceira freira, vê os barulhos atrás da cortina e pensa sozinha:
Freira 3 – “Aaaaaah…mas o que é isso? Aqui no convento? Tenho de ir contar a madre superiora….pausa para pensar….eh espera aí, não está aqui ninguém, se calhar olha vou ver como é que este rapazinho diz o rosário!
Freira 3 entra atrás da cortina e empurra para fora a Freira 2
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
Freira 3 – “Ai se a madre sabe disto…

Cena 8 Masetto a dormir e madre superiora
Masetto sai de atrás a cortina e deita-se cansado perto da parede
Entra a Madre Superiora do lado esquerdo
Madre Superiora – “Avé Maria cheia de graça….ai Avé Maria tu olha-me para este rapazola… não é só surdo-mudo, estúpido e bom jardineiro como tem uma vela por baixo destas calças…Ai não, meu deus, tira-me estes pensamentos carnais, … mas também não está aqui ninguém…
A Madre Superiora acorda o Masetto e leva-o para atrás da cortina
O Masetto ri-se

Cena 9 4ª Mini-cena de sexo e Masetto cansado, madre superiora arranja turnos
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
Masetto cansado sai da cortina e a madre superiora vem atrás dele
Masetto – “Eh pá…oh minha Madre Superiora…eu bem sei que o galo toma conta de dez galinhas, mas dez homens não satisfazem uma mulher eu cá estou sozinho com 4, estou tão cansado que não me aguento em pé nem eu nem o meu amigo cá em baixo, apesar dele ser muito religioso
Madre Superiora – “Aaaaaaahhhhh mas tu falas! como é que isso é possível? é milagre! Fui eu com a minha amiga cá em baixo, que também é muito religiosa?
Masetto – “Não sei, se calhar, depois de trabalhar tanto com as freiras Deus devolveu-me a fala, mas agora não interessa, vossemecê tem de encontrar uma solução!
Madre Superiora – “Mas como? Já andaste com todas? Já não sou o teu torrãozinho?
Masetto – “Sim, todas já rezaram o rosário cá com o meu amigo eheheh” ri-se
Madre Superiora – “Agora aqui temos um problema, não podemos mandar-te embora, está em causa a santidade do convento, e ainda por cima eu estou a gostar de rezar assim hihihi. Olha, vamos fazer assim: vamos arranjar turnos, tu de manhã trabalhas na horta e à tarde e à noite tratas das outras hortas, o que achas? Ai nossa senhora santíssima que bênção!
Masetto – “Por mim está bem, desde que tenha subsídio de férias e de Natal, que vocês cansam-me a rezar ehehe

INTERMEZZO Calendário
Com música, sem falas, o Masetto trabalha na horta e vai atrás da cortina, repetidamente enquanto o técnico de cena tira as folhas do calendário e as deixa cair no chão.

Cena 11 Masetto volta a aldeia e comenta com o amigo, põe os cornos
Depois do intermezzo o Masetto, sozinho, sai do convento e vai em direcção da aldeia onde encontra um seu amigo.
Amigo – “Eh, Masetto, tanto tempo, onde foste?
Masetto – “Viva, amigo, sabes, trabalhei a vida toda. Agora volto finalmente para a terra, cheio de dinheiro, com muitos filhos que nem tenho de sustentar e forniquei até mais não ahahah…Sabes? Eu acho que esta é a maneira de Cristo de compensar quem lhe tira os espinhos e lhe põe os cornos ahahaha

Música, pano

Fim

16 de dezembro de 2009

Ensaios

Depois do trabalho relativo à cenografia e aos aspectos mais técnicos, aos quais fazem referências nos posts anteriores, começámos a escritura do guião. Tendo-me disponibilizado para fazer essa tarefa pelo grupo, parti da tabela de definição das cenas que realizámos em conjunto e, com o auxílio da versão portuguesa da novela, comecei a escrever a primeira versão do guião. Inicialmente, tive alguma dificuldade na definição e na escolha das falas, sendo a peça muito curta e tendo essencialmente um tom irónico e provocatório é fundamental que as falas das personagens reflictam estes aspectos. Assim, depois duma primeira redacção do guião, decidimos passar directamente aos ensaios.

No primeiro ensaio, realizado no dia 10 de Dezembro, não considerámos logo o guião, mas começámos de novo, sempre partindo da tabela, com a encenação. Depois de terem lido e percebido o resumo da acção que ia decorrer em cada cena os actores presentes improvisaram as falas, num exercício dramático de improvisação, parecido com os desenvolvidos nas aulas. Os outros membros do grupo, em qualidade de espectadores, observavam a cena e, num segundo momento, avaliaram a expressividade das palavras e dos gestos dos colegas. Depois de ter procedido ao ensaio completo da peça tivemos assim uma versão escrita das falas e uma versão improvisada e discutida por todos os participantes.

Graças a estes dois suportes procedemos a uma segunda edição do guião, melhorada com as ideias saídas do primeiro ensaio. E foi com esta segunda versão, mais aperfeiçoada que ensaiamos na sala de aulas. Este ensaio, o primeiro no efectivo espaço onde iremos apresentar a nossa peça, foi-nos muito útil, para além de que para as falas e os movimentos na cena, para as entradas e as saídas de cena dos vários actores que, como já dizemos, irão interpretar várias personagens. Neste ensaio, pela primeira vez, montámos também uma parte da cenografia e vimos quanto espaço real temos, quer para representar quer para nos esconder e trocar de roupa quando não estamos em cena. Experimentámos também os fatos, quase todos, para ver se temos de procurar mais adereços e mais roupas.

Estão previstas, antes da grande estreia, mais duas sessões de ensaio. Uma onde iremo-nos cronometrar-nos, pois o factor tempo continua a ser um problema a ter em conta, e finalmente o ensaio geral, com música, cenografia e figurinos completos, que já está marcado para o dia 4 de Janeiro.

Serão de contos na ESELx

Como já anunciado este post pretende apresentar o trabalho feito por mim para a realização do serão de contos na ESELx no dia 9 de Dezembro. A ideia partiu da professora Lúcia Soares, da disciplina de Literatura de Expressão Portuguesa e do professor da cadeira para a qual este blog é o instrumento de avaliação, Prática Teatral, Miguel Falcão, que, sabendo que eu era um contador do projecto da Biblioteca Municipal de Oeiras (BMO) “Histórias de Ida e Volta” e que na turma do primeiro ano do pós-laboral estuda a colega Rita Dornellas, técnica da BMO e responsável pelo projecto, nos desafiaram para organizar um serão de contos na nossa Escola.

Para ser honesto quem fez a grande parte do trabalho foi, de facto, a Rita que escolheu os contadores entre os da bolsa do projecto da BMO, organizou a sua turma para a aquisição em conjunto dum bolo-rei para tornar a noite mais acolhedora e preparou duas leituras, uma em conjunto e uma feita por ela própria, como presente para os contadores convidados.

Eu limitei-me a trazer um conto, descoberto na tradição oral moçambicana para a avaliação da disciplina da professora Lúcia Soares, e a tratar das tarefas mais técnicas como as luzes e os folhetos com o alinhamento.

Neste blog acho interessante reportar o meu trabalho com as luzes, uma vez que na peça que iremos apresentar na última aula não iremos poder utilizar este tipo de suporte técnico. O local escolhido para o serão foi o Salão Nobre da nossa Escola que tem várias luzes que o iluminam completamente, mas um dos aspectos principais para a boa realização dum serão de contos é ter uma luz quente, mas não demasiado intensa, para recrear um ambiente acolhedor e focar a atenção no contador e nas suas palavras. Por isso decidimos utilizar os dois spots menos potentes que a Escola tem e posicioná-los no primeiro andar do salão nobre. Juntamente com a Rita decidimos colocar a cadeira do contador por baixo do palco e cerca de 60 cadeiras à sua frente, numa meia-lua, sempre para tentar recrear um ambiente acolhedor e quase intimista. As luzes, seguradas ao corrimão, uma em cada lado da sala deveriam iluminar o lugar do contador e também o palco, onde iriam ser posicionadas as primeiras obras dos alunos da disciplina “Oficina de Expressão Plástica”. Todavia foi preciso evitar que a fonte de luz incomodasse em primeiro lugar o contador, sendo o contacto visual com o público uma componente fundamental do nosso trabalho, e claramente também as pessoas do público, mais especificadamente as sentadas nas extremidades da meia-lua. Para posicionar as luzes e para verificar todos estes pormenores efectuamos uma prova de luzes dois dias antes o serão de maneira a prevenir problemas de última hora.

O serão começou com a leitura em conjunto do texto “O Limpa-Palavras” de Álvaro Magalhães e com a leitura de “O Senhor das Palavras” de Isabel Rosas, feita pela Rita, em jeito de presente aos contadores que aceitaram participar no serão na nossa Escola. A seguir sucederam-se vários contadores da BMO, alguns dos quais pertencem ao grupo dos Contabandistas, e duma professora da ESE, que concedeu também um bis à audiência. O público, composto por alunos da Escola, maioritariamente das turmas do pós-laboral, por professores e por convidados amigos dos contadores foi muito participativo e atento, o que é fundamental para um contador, sendo o acto de contar não só uma performance, mas também um trabalho de partilha com as pessoas. Alguns dos contos escolhidos eram de autores, como José Eduardo Agualusa ou o italiano Stefano Benni, e da tradição oral africana, angolana e moçambicana. Alguns contadores decidiram, antes da própria actuação, mudar o conto reportado no folheto com o alinhamento entregue à entrada a todos os participantes e apresentado no final deste post. Isso porque, às vezes, um serão transforma-se e é preciso e importante adaptar os contos numa linha de continuidade e numa associação de ideias com os anteriores. Depois dos contos foi servido o chá, oferecido pelo Conselho Directivo, e os bolos, comprados em conjunto dos alunos. Esta foi também a ocasião para trocar opiniões, agradecer e partilhar experiências, profissionais e não só, entre os participantes e os contadores. O espírito de todo o serão foi, na minha opinião, muito bom, descontraído e partilhado e este é, sem dúvida, um dos objectivos da realização deste evento na nossa Escola.

Nos dias seguintes alguns dos contadores agradeceram-nos, a mim e a Rita, pelo convite e demonstraram a sua apreciação sobre o Salão Nobre para este tipo de eventos. Esta poderia ser uma sugestão para a Escola continuar a realização de serões de contos, também porque a promoção da leitura e da tradição oral e a técnica do contar são aspectos fundamentais para as profissões que aqui são ensinadas.

Alinhamento dos contadores:
Helena Gravato: Kimanueze e a filha do Sol - Conto Tradicional de Angola
António Gouveia: Sir Gawain e a Dama Repugnante - Conto Tradicional
Antonella Girardi: Vai Amália, tu consegues! - Stefano Benni
Maria Encarnação Silva: O pássaro pançudo – Conto tradicional português
Cláudia Fonseca: O Uivo amarelo dos Girassóis - José Eduardo Agualusa
Matia Losego: Os filhos do Cobra Bona - Conto tradicional moçambicano


Ilustração do Projecto "Histórias de Ida e Volta" da BMO

30 de novembro de 2009

Figurinos, adereços e música

Neste post iremos analisar o trabalho feito nos campos dos figurinos, dos adereços e da escolha da música. Estas três fases do trabalho foram até agora consideradas secundárias, dando mais importância ao guião e à cenografia. Todavia, para realizar um bom trabalho temos de ter em conta também estes aspectos.

Como vimos, quase todos os actores irão interpretar mais do que uma personagem por isso os figurinos devem ser obrigatoriamente simples e rápidos, continuando porém a caracterizar a personagem aos olhos do público. Escolhemos inicialmente em conjunto usar por baixo dos figurinos roupa preta para depois acrescentar a roupa característica de cada personagem. Assim Masetto será um jovem camponês, de fato-macaco ou calças de ganga lisas, camisa aos quadrados e chapéu de palha e o outro jardineiro inicial, o feitor e as pessoas da aldeia irão ter mais ou menos o mesmo figurino, se calhar menos caracterizado, sem, por exemplo, o chapéu de palha. As freiras terão, por cima da roupa preta, uma capa do traje académico, posta nos ombros, e na cabeça um lenço preto com, se possível, uma estrutura em cartolina branca para suste-la. A madre superiora será igual, só caracterizada por uma coroa do rosário na cintura. O técnico de cena, como já vimos, estará vestido de preto, para passar quase despercebido e focar a atenção do público na sua acção e não na sua personagem. Estas escolhas para os figurinos permitem-nos fazer rápidas mudanças entre as personagens e utilizam roupa que podemos facilmente encontrar nas nossas casas ou em casa de amigos, como é o caso das capas dos trajes académicos.

Vimos, ao longo do debate desta sessão, que também não são precisos muitos adereços, sendo a peça, já com os nossos cortes, muito curta e sendo as personagens já suficientemente caracterizadas com os figurinos. Assim estamos a prever precisar apenas de uma pá, ou de uma outra ferramenta de jardineiro, e se calhar uma coroa do rosário para a madre superiora.

Inicialmente não vimos a necessidade de por música na nossa peça, mas depois, reflectindo melhor, percebemos que, sem música, faltaria um elemento fundamental e sobretudo no intermezzo a acção seria bastante silenciosa e se calhar monótona. Assim decidimos pesquisar temas para o intermezzo e provavelmente para o final da peça. Na pesquisa pedimos ajuda ao professor Paulo Rodrigues, da área de música, clarificando a época na qual a novela foi escrita (por volta de 1350) e o seu tom irónico e alegre. O professor forneceu-nos algumas danças amorosas medievais que iremos experimentar ao longo dos ensaios, tendo em conta a possibilidade também de cortar um tema ao meio, para aproveitar só uma determinada parte.

Sendo na sala de aula o nosso espectáculo não precisa, ou se calhar não pode, ter um sistema de luzes, também porque todos os membros do grupo estarão empenhados na cena como actores e não poderiam trabalhar simultaneamente este aspecto. Todavia, paralelamente a esta peça, estamos a preparar, com outros colegas das turmas da noite, um serão de contos no salão nobre da ESE no dia 9 de Dezembro e, entre outras coisas, eu estou encarregado de encontrar uma solução para o sistema das luzes, de maneira a ter uma luz quente, acolhedora, sem ser demasiado dispersiva. Neste blog iremos falar mais à frente também do trabalho que está por trás deste serão de contos.

Cenografia

A cenografia criou-nos, desde o início, bastantes problemas quer por a representação da peça ser na sala de aulas, quer pela necessidade de ter cenografias minimalistas, rápidas de montar e desmontar, dado que todos os grupos irão apresentar o seu trabalho no mesmo dia, quer pela realização das cenas de sexo, fundamentais para o desenvolvimento da nossa história. A primeira solução encontrada foi a utilização duma cortina, representando o convento, atrás da qual realizar as partes mais picantes. A dúvida agora, sanável só nos ensaios, é entre a escolha de um pano branco ou um pano preto para a cortina. A ideia do pano branco nasceu da sugestão de realizar as cenas de sexo só com as sombras das personagens, realizadas graças a luz dum projector, mas continuo a pensar que será bastante difícil projectar no pano sombras nítidas de duas pessoas abraçadas e o problema de sobreposição das sombras mantêm-se de difícil solução. Além disso, a cortina seria útil também para a troca de figurinos e o pano branco pode não esconder suficientemente. Assim, as opiniões no seio do grupo parecem tender mais para a escolha do pano preto. Um outro problema da cortina é a estrutura que a sustem. Inicialmente tínhamos pensado numa complicada estrutura em madeira dobrável que permitia criar uma “porta” onde pendurar a cortina. Observando os custos desta obra e analisando mais no particular a sala de aulas decidimos simplesmente estender um fio entre dois parafusos já presentes nas paredes e pendurar a cortina neste fio.

Um outro ponto central da cenografia é a presença de um crucifixo, quer para criar o ambiente dum convento quer para a irónica cena final. Por isso, e para pendurar também o calendário do qual falámos no post anterior, precisávamos de um elemento cénico, pois decidimos em conjunto não pendurar nem o crucifixo nem o calendário na parede. Escolhemos enfim a parte detrás de um armário, também presente na sala, tendo em conta que iremos colar o crucifixo e o calendário com uma pasta adesiva, sendo todo o armário de contraplacado e não podendo sustentar pregos ou parafusos.

Enfim o último problema da cenografia era relativo às entradas e às saídas dos personagens, assim como as suas trocas de roupa, porque a sala de aula não tem, como um palco, bastidores nem saídas predefinidas. Escolhemos utilizar o fantocheiro preto da sala como saída do lado direito do “palco”. Esta escolha é unicamente derivada da existência na sala desta estrutura e da necessidade de ter um bastidor além da cortina.

Assim o palco apresentará uma cortina pendurada num fio do lado esquerdo do público, um armário com crucifixo e calendário no centro da cena, encostado a parede, e uma saída do lado direito, mascarada com o fantocheiro.

Definição das cenas

Nesta sessão, depois de, ao longo da semana anterior, termos lido e analisado as duas versões da novela que escolhemos, uma modernização em italiano feita por Aldo Busi e uma tradução para português de Fernando Melro, debatemos para chegar a um consenso acerca de quais são os pontos fulcrais da trama. Com base nisso evidenciámos também as partes secundárias, mas indispensáveis para a compreensão da história e finalmente as partes facilmente elimináveis, pois um dos nossos maiores problemas continua a ser o limite máximo de 10 minutos para a realização da peça na última aula do semestre. Dos pontos fundamentais partimos também para o trabalho central desta sessão, a definição das cenas segundo um esquema parecido ao que já utilizámos na disciplina Oficina Multimédia o ano passado, com o professor Sidónio Garcia e Jorge Bárrios. Neste esquema, reportado mais à frente, constam o número progressivo das cenas, um breve resumo da acção desenvolvida, centrada na personagem principal, o elenco das personagens presentes em cena e as suas entradas e saídas, os figurinos utilizados, as mudanças de cenografias entre cada cena (que, na verdade não existem nesta peça, sendo muito breve) e enfim a música utilizada.


Cabeçalho da tabela de definição das cenas
Fonte: Autoria própria

Como é óbvio, a partir da definição das entradas e das saídas, e mesmo, acho, antes dessa, a discussão chegou a tocar o problema da cenografia, do qual iremos falar mais especificadamente no post seguinte.

Uma ideia importante saída da discussão foi a escolha de inserir um intermezzo onde um de nós, no papel de técnico de cena, irá tirar as folhas dum calendário presente na cenografia para representar a passagem do tempo na história, enquanto as outras personagens continuam, num plano secundário, as suas tarefas quotidianas.

Só depois deste trabalho e da compilação do esquema conseguimos verificar o número exacto de personagens na nossa peça e em consequência podemos dividir os vários papéis entre os 6 actores. Como já combinado anteriormente cada um de nós irá desempenhar mais do que um papel, com excepção da pessoa que interpreta Masetto, a personagem principal. A escolha dos papéis teve de ter em conta também o tempo necessário para mudar de figurinos entre um papel e o outro e uma consequência lógica, para não criar confusão no público.


Tabela de atribuição dos papéis
Fonte: Autoria própria

Finalmente começámos a adaptação do texto em prosa para a construção dum guião de cena e para fazer isso estudámos as duas versões do texto e a tabela da definição das cenas. Por motivos de falta de tempo e pela nossa inexperiência na escrita de textos teatrais decidimos redigir uma primeira versão que, na altura da publicação deste post ainda está em execução, e depois proceder a uma revisão e correcção da mesma já durante os ensaios. Assim, experimentado na prática, poderemos verificar se as falas escolhidas são suficientemente fortes e se desempenham a sua função e poderemos ter mais ideias graças à improvisação de cada um nos ensaios.

Se no post anterior não revelámos a história que escolhemos, referindo apenas o título e o facto de ser a primeira novela do terceiro dia do Decameron de Boccaccio, para manter o efeito surpresa, decidi também aqui não apresentar o esquema da definição das cenas concluído, onde está presente um resumo da trama, apresentando porém o cabeçalho da tabela para dar a perceber o nosso método de trabalho. Além disso, decidi apresentar em completo a tabela dos papéis de cada membro do grupo, assim como as grandes companhias revelam antes das estreias o nome dos actores.

23 de novembro de 2009

Pesquisa

Para a avaliação desta disciplina, diferentemente da proposta inicial de montar uma peça teatral em grande grupo com toda a turma, foi decidido realizar vários projectos teatrais em pequenos grupos. As directrizes dadas pelo professor estabeleceram o número de componentes do grupo, entre 5 e 7, a duração da peça, máximo 10 minutos, e a possibilidade de escolher entre teatro em palco, teatro das sombras, teatro de objectos ou uma mistura destas diferentes técnicas que explorámos nas aulas. A peça ira será apresentada na última semana de aulas, mais especificadamente no dia 5 de Janeiro, pelo qual, tendo um grupo a seguir ao outro numa única sessão, o factor tempo torna-se fundamental, assim como a relativa simplicidade das cenografias e dos figurinos. No final não será preciso entregar o guião da peça, mas sim uma reflexão sobre o trabalho, quer de grupo, quer acerca do papel desempenhado pessoalmente na construção. Este primeiro post, assim como os outros que se irão seguir, fazem parte desta mesma reflexão final.

O nosso grupo juntou-se, além de afinidades de horários e de método de trabalho, na certeza de querer fazer teatro em palco, ou pelo menos fazer do teatro em palco a parte principal do nosso espectáculo, e na vontade de montar não uma peça infantil, mas sim uma peça para adultos, com temas sociais, políticos e provocatórios. Esta segunda escolha derivou dos gostos pessoais de alguns membros do grupo já, como referimos no último post  espectadores e apreciadores do teatro civil, experimental e provocatório.

Para experiencia pessoal no meu trabalho de contador sei que a parte da pesquisa e da escolha é, simultaneamente, a fase de trabalho mais difícil e mais interessante, influenciando claramente todas as seguintes. Por este motivo as fontes da nossa pesquisa foram multíplices e diferenciadas. Num primeiro momento procurámos, nas nossas bibliotecas domésticas, em livrarias e bibliotecas públicas, guiões e textos de curtas teatrais, porque, como já referimos, o factor tempo é fundamental neste trabalho. Todavia não encontrámos nada que nos desse a impressão de ser realizável por nós, amadores, nem nada que despertasse a nossa curiosidade. Autores italianos importantes no panorama internacional pelas suas peças civis e provocatórias, como Dario Fo, premio Nobel pela literatura em 1997, ou Marco Paolini, têm peças curtas, mas demasiados ligadas a factos e escândalos italianos, quase completamente desconhecidos ao público português, como “Morte Accidentale di un Anarchico” de Dario Fo, que implicariam uma grande parte de contextualização ou, na pior das hipóteses, uma não compreensão global da peça. Também outros autores estrangeiros, como Bertol Brecht, foram rapidamente postos de lado devido às dificuldades não só de compreensão, mas também de representação dos seus textos.

Deixando do lado os textos teatrais começámos à procura, na internet, de espectáculos pequenos de companhias locais, quer italianas quer portuguesas. Muitas vezes estas companhias desenvolvem um trabalho interessante no campo do teatro experimental e de denúncia. Demo-nos conta que, quer em Portugal, mas maioritariamente na Itália, são organizados concursos para curtas teatrais onde participam jovens escritores e pequenas companhias. Mas também nesta área não encontrámos nada nem em forma de guião nem em formato vídeo, para além de uma companhia italiana que conseguiu sintetizar “I Promessi Sposi” de Alessandro Manzoni, um romance de 38 capítulos que se estuda em todos os liceus italianos, em 10 minutos, utilizando canções da música ligeira italiana para desenrolar toda a trama.

Na nossa terceira tentativa resolvemos pedir ajuda aos amigos, alguns deles já com experiência no mundo do teatro e do circo, para receber sugestões e pontos de partidas para o nosso trabalho. Simultaneamente começámos a explorar o mundo dos contos e das novelas, sabendo que, com os devidos arranjes, poderiam ser um bom texto. E foi mesmo cruzando a nossa vontade de fazer uma peça irónica e provocatória com as novelas de autor que nos cruzámos com Decameron de Giovanni Boccaccio. Para mim esta é a terceira abordagem a este clássico da literatura italiana, depois da análise feita no liceu e depois duma pesquisa, ou caça, à procura de contos para contar.

O Decameron, escrito entre 1349 e 1351 por Boccaccio, é ambientado na altura na peste negra em Florença, onde, para fugir ao contágio, sete raparigas e três rapazes da aristocracia citadina decidem refugiar-se numa quinta. Assim, para se entreterem e para divertirem ao longo dos dias decidem que, cada jornada, cada um iria contar um conto para deliciar os outros. Cada dia teria também um rei, para estabelecer a ordem, e um tema para seguir. Assim, estes dez jovens contam cada um, por dez dias, uma novela, num total de cem contos. Além do tema do dia pode-se encontrar, numa análise mais apurada, um fio condutor de cada contador, ao longo de todos os dias. Os temas dos contos são picantes e provocatórios, como nos gostamos, e tem como protagonistas mulheres infiéis, maridos traídos, padres luxuriosos e freiras tentadoras que organizam mil e um truques e enganos para chegar aos seus fins, às vezes conseguindo o seu fito, por vezes sendo castigados por Deus ou pelo destino.

Uma vez escolhido o livro de partida foi só escolher a novela e para isso tivemos de ter em conta quer os 10 minutos permitidos, quer o número de participantes do nosso grupo, seis pessoas, sendo que todos queriam, se possível, representar algum papel, e também o facto de ter só uma rapariga no grupo. Inicialmente lemos, numa versão italiana readaptada e modernizada por Aldo Busi, um escritor italiano, os vários temas de todos os dias, descritos pelo Boccaccio e conservados inalterados pelo curador da nova edição. Entre estes escolhemos o terceiro dia, onde se apresentam quem, graças à inteligência e ao engenho, alcança o objectivo tão desejado ou recupera a coisa perdida. Entre estas novelas escolhemos a que nos despertou mais curiosidade e que nos pareceu mais realizável pelo nosso grupo, chegando assim à decisão de começar a trabalhar a primeira novela da terceira jornada intitulada, na versão italiana, “Os Cornos de Cristo”.

A seguir, foi a altura de confrontar as duas versões italianas que conseguimos com a versão portuguesa traduzida por Fernando Melro e editada pela Europa-América em 1982. Nesta versão são apresentadas também as xilografias feitas em 1492 que editamos neste post como primeira apresentação, numa só imagem, da nossa história. Na próxima sessão iremos analisar a trama, cortar as cenas que, infelizmente, não iremos conseguir representar por motivos de tempo e começar a escrever o guião, escolhendo assim os papéis de cada um, as entradas e as saídas, as falas, a cenografia, os figurinos e a maneira de representar as cenas mais explícitas.

As razões da nossa escolha residem no facto de termos encontrado, finalmente, uma novela, como ponto de partida, que permite ser cortada e reduzida a 10 minutos de cena, que dá a possibilidade a seis actores de representar mais que um papel cada um, que não precisa de grandes cenografias nem figurinos complicados, mas que, sobretudo, permite-nos realizar um trabalho irónico e provocatório e ao mesmo tempo divertido, tocando temas quase tabus como o sexo e a religião. O escândalo que o Decameron provocou na sua época acrescenta, sem dúvida, o fascínio que para nós tem este texto e a possibilidade de abordar estes temas a partir dum clássico da literatura italiana permite-nos trabalhar também as temáticas da promoção da literatura e da cultura.


Xilografia do frontispício, 1492
Fonte: Boccaccio, G. (1982). Decameron. Trad. Fernando Melro. Europa-América. Mem Martins



Xillografia da primeira novela da terceira jornada, 1492
Fonte: Boccaccio, G. (1982). Decameron. Trad. Fernando Melro. Europa-América. Mem Martins

21 de novembro de 2009

Afonso Henriques. Aprender com os melhores



Afonso Henriques. Cartaz
Fonte: obando.pt

Na óptica de continuar a aprender com os melhores, numa linha de continuidade com a visão do documentário “Ensaio sobre o teatro” da companhia O Bando e na certeza que para ser promotor de actividades teatrais é preciso, em primeiro lugar, ser espectadores de teatro fomos assistir, no passado dia 14 de Novembro, a peça infantil Afonso Henriques da companhia O Bando no Teatro Nacional D. Maria II.

Esta peça estreou em 1982, mas teve tão sucesso que periodicamente é apresentada ao público de todo o país quer porque retrata uma personagem importante da história nacional, quer porque, sendo uma peça infantil, há sempre público novo para aprecia-la. A peça, apresentada por 5 actores (3 homens e 2 mulheres), conta toda a vida de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal que, entre as outras coisas, prendeu a própria mãe, conquistou vários castelos portugueses contra os mouros e os castelhanos chegando assim a independência de Portugal, lutou contra o papa em questões de fé e morreu velho e, finalmente, rei.

O trabalho dos actores no palco foi sempre interactivo, até ao ponto de convidar um menino a subir ao palco, e dinâmico, tornando assim a peça divertida e interessante sobretudo para um público jovem, que participou com comentos, gritos e palmas. O facto de, no início e no fim, os actores entrarem e saírem da sala em desfile, com musica e ritmo, passando no meio do público contribuiu para despertar a curiosidade e a participação. Em relação ao trabalho dos actores é de sublinhar também o facto que cada um desempenhou mais de um papel na cena, trocando de personagem só com um ou dois adereços, as vezes mudando-os mesmo em cena, como é o caso da troca de perucas quando Afonso Henriques passa de adulto a velho.

Uma outra parte importante da peça foi, sem dúvida, a música que, acompanhando todo o espectáculo, recriou o ambiente medieval, com os tambores, a gaita-de-foles e as flautas, e acelerou o ritmo da história. A cenografia, fantástica, era composta por poucas coisas que, consoante a necessidade, se transformavam agora em castelos, depois em cavalos, em escadas, tronos e berços. Esta técnica teatral de utilizar a cenografia por múltiplos usos e de trocar de fato em cena, lembra-me alguns espectáculos da companhia do Chapitô, como Drakula.

Outra característica a apontar, também para reportar o trabalho feito nas aulas à prática, foi a utilização de várias técnicas teatrais. Para representar cenas de batalha e sobretudo para inserir mais personagens, os actores utilizaram fantoches ou ainda uma espécie de teatro das sombras, actuando por baixo dum pano para recriar a noite, e também uma pequena cena de teatro dos objectos, quando Afonso Henriques, ainda menino, enterra o pai e recebe assim o poder. Também a utilização das mascaras de madeira, grandes e bonitas, contribuiu para a riqueza desta peça e para despertar a curiosidade do público, apesar de, por vezes, prejudicar a compreensão das palavras do actor que com a máscara.

O desenrolar da história não foi propriamente simples, tendo também algumas falas em espanhol, ou portunhol, e em italiano. Todavia acho correcto aumentar cada vez mais os estímulos e os desafios para um público infantil, considerando também que a mímica dos actores, a música e a cenografia ajudou muito à compreensão global da história.

Concluído, esta peça foi uma experiencia muito positiva quer pelo desempenho formidável da companhia, quer pela criatividade da encenação e das cenografias quer, finalmente, por ser no teatro Nacional D. Maria II, uns dos templos do teatro na cidade de Lisboa.


Flyer. Frente
Fonte: Digitalização


Flyer. Verso
Fonte: Digitalização


Imagem do espectáculo


Imagem do espectáculo

Ficha técnica

Afonso Henriques
A partir de um poema épico de tradição oral
Dramaturgia, encenação e espaço cénico: João Brites
Arranjo musical a partir da recolha de música tradicional portuguesa e oralidade: Teresa Lima
Figurinos: Clara Bento
Adereços: Isabel Carretas, Clara Bento e Fátima Santos
Desenho de luz: João Cachulo
Interpretação: Ana Brandão, Guilherme Noronha, Miguel Jesus, Nicolas Brites e Sara de Castro

16 de novembro de 2009

Teatro das sombras. Vamos experimentar

Depois da teoria foi a vez da prática, para aprender experimentando as técnicas, as dificuldades e as mais-valias do teatro das sombras. Depois de nos termos dividido em grupos de 5 ou 6 elementos foram dadas a cada grupo duas partes consecutivas de uma história já amplamente trabalhada nas aulas, a do Capuchinho Vermelho, na versão onde o caçador liberta a menina e a sua avó e enche a barriga do lobo com pedras. A cada grupo foram atribuídos dois cartões como estes e a tarefa de, em 40 minutos, construir as silhuetas necessárias para representar as próprias cenas com o teatro das sombras de maneira a construir em conjunto o conto inteiro. Os materiais dados a cada grupo foram cartolinas, papel filme colorido, tesouras, cola, fita-cola e palhinhas para manipular as figuras uma vez ultimadas. O trabalho dos grupos foi sobretudo à volta da decisão do que era fundamental existir em cena e sobre os papéis de cada um, uma das maiores preocupações, de facto, era o pouco tempo e a necessidade de realizar as figuras. Nesta fase de preparação tivemos também de encontrar tempo para ensaiar atrás do ecrã, para combinar as posições de cada um, as entradas e as saídas das personagens e os movimentos básicos. Infelizmente, pelo menos no meu grupo, neste pouco tempo, as falas foram deixadas à improvisação de cada um, confiando assim na capacidade de interagir uns com os outros e na flexibilidade.


Cartões atribuidos a cada grupo
Fonte: Autoria própria


Materiais utilizados
Fonte: Autoria própria

O trabalho final consistiu na representação do conto todo seguido, mas, para não criar problemas de ruído de fundo e de desconcentração, como aconteceu outras vezes, foi decidido parar a acção e desligar o retroprojector cada vez que um grupo terminava a sua parte, para dar tempo e tranquilidade ao grupo seguinte de se preparar. O resultado final é apresentado no vídeo seguinte. O vídeo foi gravado e montado por mim por isso a qualidade do som não é óptima e sobretudo não apresenta a primeira parte da representação, sendo eu, nesta parte, um dos manipuladores.


Trabalho final
Fonte: Autoria própria

Esta primeira abordagem ao teatro das sombras revelou-se muito interessante sobretudo em relação à facilidade, à velocidade e à criatividade com a qual conseguimos criar as silhuetas em tão pouco tempo. Todavia, encontrei bastantes dificuldades na manipulação das figuras e reparei também nisso no trabalho dos meus colegas. Se calhar tivemos demasiada atenção relativamente à realização artística das silhuetas e não investimos o suficiente no praticar e no ensaiar atrás do ecrã. Este é um erro que, em futuros ambientes profissionais, não podemos voltar a repetir. O teatro das sombras, na óptica da oferta de um panorama cada vez mais abrangente de novos estímulos culturais aos nossos públicos, já desenvolvida neste blog, é uma óptima ferramenta de trabalho, mas não podemos esquecer a qualidade da oferta apresentada. Por isso acho esta técnica ainda bastante difícil de actuar ou pelo menos acho fundamentais os ensaios e a aquisição de experiencia na manipulação, tanto como na construção das figuras, antes de utilizar o teatro das sombras em contextos profissionais.

Teatro das sombras. Teoria.

Para abordar várias técnicas e escolas do teatro, nesta sessão começámos a trabalhar o teatro das sombras. Inicialmente o professor deu-nos uma breve explicação teórica sobre os recursos, as técnicas e as atenções que é preciso ter quando se trabalha com as sombras. Há duas maneiras de representar as sombras para um público: a primeira consiste em utilizar uma fonte de luz, um projector ou melhor ainda um retroprojector atrás dum painel com um ecrã branco, de papel ou de tecido. Os manipuladores encontram-se, escondidos, entre a fonte de luz e o ecrã e o público está do outro lado do ecrã. Nesta modalidade os manipuladores vêem as mesmas imagens do público invertidas, encontrando-se do outro lado do ecrã.


Primeiro esquema
Fonte: Autoria própria

Na segunda modalidade, como numa sala de aulas, o manipulador trabalha no retroprojector atrás do público, uma vez que o ecrã é a parede ou um painel branco em frente do público. Esta técnica pode ser usada para aumentar a interactividade, uma vez que os manipuladores estão visíveis atrás do público e podem pedir ajuda às pessoas, por exemplo, para as vozes ou os sons que são necessários no desenvolvimento da peça. Claramente, sobretudo com crianças pequenas, a primeira técnica é mais rica em mistério e magia.


Segundo esquema
Fonte: Autoria própria

Também a distância entre a figura projectada e o ponto de luz interessa porque quanto mais perto uma figura esteja da luz, maior essa será projectada no ecrã, mas com uma menor nitidez. Por outro lado uma figura muito próxima do ecrã manterá as suas dimensões originais e a sombra será muito escura e definida. Pode-se utilizar esta técnica para dar mais força a imagens e as palavras na cena, por exemplo, se um lobo mau aparece de longe pode-se aproximar a sua silhueta do ponto de luz até ao ecrã para dar a impressão da chegada ou outros truques deste género.

Um outro ponto muito importante para aprender esta técnica é a utilização dos materiais para construir as silhuetas que irão projectar as sombras no ecrã. Uma silhueta de papel normal ou de cartolina projecta uma sombra preta opaca e não permite a sobreposição das figuras. Pelo contrário, a construção de papel filme colorido apresenta uma sombra da cor do papel e permite misturar as figuras e as próprias cores, segundo o esquema seguinte.


Esquema das cores

Este tipo de papel, por ser mais leve, pode ser utilizado também para fazer a roupa das personagens, ou as partes internas das figuras, para deixar passar mais luz e dar cor a toda a cena. As figuras, além que coloridas, podem ser articuladas, utilizando tachas para juntar as duas partes. Assim, os membros separados podem ser deixados livres para que baloicem ou ser manipulados separadamente, como no caso dum maxilar inferior duma personagem.

Finalmente, a última coisa à qual é preciso prestar atenção, talvez seja aliás a mais importante, é a manipulação. De facto, é muito difícil manipular bem uma figura para que o público veja completamente os movimentos e não se distraia porque a personagem começar a voar na cena ou porque aparece a cabeça do manipulador. Para preparar esta parte, além de ter atenção à regra da sobreposição, a única coisa a fazer é praticar, experimentar e ensaiar de maneira a trabalhar bem em conjunto, tendo bem em conta o espaço de luz delimitado no ecrã, as proporções e os movimentos das outras personagens.

Acordar outra vez

Nesta sessão, como fizemos na sessão do dia 6 de Outubro , começámos não com um aquecimento, mas sim com um relaxamento individual. Deitados no chão sobre os colchões da sala de barriga para cima, individualmente, tentámos, num primeiro momento, alcançar a concentração necessária para iniciar a sessão. De seguida, sempre em silêncio, começámos, seguindo as instruções do professor, a rodar devagar o pé direito, de fora para dentro e de dentro para fora, ou seja, no sentido dos ponteiros dos relógios e no sentido oposto, tentando mexer só o tornozelo e o pé, ligeiramente levantado do chão, sem mexer a perna nem outras partes do corpo. A seguir ao pé direito foi a vez do pé esquerdo repetir o mesmo exercício. Depois dos pés, para concluir os membros inferiores encolhemos simultaneamente as pernas, juntando-as ao corpo, sempre devagar e sem movimentos bruscos, para depois esticá-las outra vez no chão, como se nos espreguiçássemos.

Para os braços e os ombros começamos com o rodar das mãos, com todos os dedos bem esticados, também nos dois sentidos, primeiro a mão direita e depois a esquerda tentando, similarmente ao que tínhamos feitos com os pés, não mexer outras partes do corpo. De seguida, o professor mandou-nos espreguiçar os dois braços simultaneamente esticando-os atrás da cabeça.
Para concluir este exercício fizemos também alguns movimentos com a cabeça, inicialmente rodando para a direita, depois para esquerda e sucessivamente, num só movimento, rodando-a do centro para a direita, da direita para a esquerda e retorno a posição central.

Este tipo de exercícios, além de trabalhar o silêncio, a concentração e a alienação em relação aos outros colegas (e somos muitos) na sala ajuda a acordar outra vez, deixando o tempo para acordar as pernas, os braços e a cabeça, trabalhando nas articulações. Na minha opinião este pode ser um exercício quer para o início da sessão, sobretudo se a sessão acontece no início da manha, como a nossa, quer no final, para relaxar os músculos e os membros depois dos exercícios.

8 de novembro de 2009

Ensaio sobre o teatro. Aprender com os melhores



"Ensaio sobre o teatro". Cartaz.

Para aprender com os melhores, nesta sessão, em vez de dedicar-nos a exercícios e jogos teatrais, vimos o documentário “Ensaio sobre o teatro” de Rui Simões, cujo promo e ficha técnica foram publicados neste blog, no post anterior. Este documentário relata a preparação, desde o inicio, do espectáculo teatral da companhia O Bando a partir da obra literária de José Saramago “Ensaio sobre a Cegueira” com a dramaturgia e encenação de João Brites. A escolha do documentário por parte do professor teve em conta também um outro espectáculo histórico (nos dois sentidos na palavra) desta companhia ao qual iremos assistir no próximo dia 14 de Novembro e sobre o qual falaremos neste blog mais à frente.

O filme estrutura-se entre as imagens da estreia do espectáculo no Teatro Nacional de S. João no Porto, dia 06 de Maio de 2004, o arquivo de todas as fases da realização, desde o início, e as entrevistas aos actores, ao encenador João Brites e ao próprio José Saramago.

A parte mais interessante, quer ao nível pessoal quer de trabalho nesta disciplina, foi a percepção de todos os trabalhos que estão por trás dum espectáculo, considerando também que o “Ensaio sobre a Cegueira” é uma peça fora do normal por ter uma cenografia muito complicada, um elenco muito grande de actores e uma duração de três horas, alem de ter a dificuldade de partir não de um texto escrito para o teatro, mas dum romance. Também o facto do “Ensaio sobre a cegueira” ter sido escrito por José Saramago, escritor valente, mas bastante difícil e ainda por cima premiado com o Premio Nobel pela Literatura transformou este espectáculo num enorme desafio para a companhia O Bando, que celebrou, com esta peça, os seus 30 anos.

No princípio do documentário é apresentado o primeiro encontro, de 2003, que os actores tiveram com o encenador para começar a trabalhar num estágio em Palmela, onde todos começaram pela coisa mais difícil e mais importante para este trabalho: o ser cego, ou melhor, ou representar ser cego. Assim desenvolveram vários exercícios e actividades, individuais e de grupo, sobre o ser cego, inicialmente de olhos fechados e onde cada um tinha a liberdade de interpretar a situação numa maneira passional e trágica ou fria e o mais possível destacada, e mais a frente de grupo, com regras mais definidas e papeis estabelecidos. O que me impressionou, apesar de ter reparado nisso só mais à frente no filme nas partes em palco, foi a capacidade dos actores de se fingirem cegos mantendo os olhos abertos. No palco, de facto, eles tiveram de saber reproduzir os gestos, as caminhadas e sobretudo a direcção do olhar dos cegos, conseguindo ao mesmo tempo perceber os movimentos dos outros actores em cena e movimentando-se numa cenografia que, como já referimos e como se pode ver no promo, era muito complicada. Este, ao longo do todo o filme, foi o meu maior espanto que provocou uma grande admiração pela capacidade dos actores de representar e, claro, a pena de não ter visto a peça.

Depois dos primeiros exercícios corporais, que continuaram claramente ao longo de todo o percurso feito até à estreia, foi a vez dos treinos vocais, onde se pedia a cada actor que encontrasse uma voz adaptada à sua personagem, mas ao mesmo tempo suficientemente executável para ser mantida ao longo de todo o espectáculo. Este é um trabalho muitas vezes individual de experimentação, de tentativa erro e de reflexão sobre as características da personagem na história e a maneira de representar estas características não só com as palavras e os gestos, mas também com a voz, com o seu tom, a sua cadência e o seu ritmo.

Também o trabalho para a relização da cenografia teve de partir do conceito e das ideias presentes no romance. Por exemplo a cegueira branca, da qual fala Saramago na entrevista, foi reproduzida com um nevoeiro verdadeiro que abraçava também os espectadores das primeiras filas. As estruturas metálicas presentes em cena criaram várias dificuldades, até a nível de segurança, mas foram essenciais para representar a ideia da entrada, ou largada, dos primeiros cegos na quarentena ou mesmo a divisão espacial dos bons e dos maus mais à frente na trama. Foram até introduzidos ligeiros cheiros na cenografia de maneira a deixar o espectador na dúvida de os ter sentido ou não, e para recrear o mais fielmente possível a ideia de cegueira, que obriga a pessoa a desenvolver mais os outros sentidos.

O documentário apresenta também a opinião de outros profissionais, fundamentais para a realização de qualquer espectáculo, como a figurinista, as costureiras e os técnicos de sala. Muitas vezes as decisões foram tomadas em conjunto, ouvindo a opinião dos actores e as suas exigências de conforto e de movimento na cena. Um exemplo emblemático disso são as cenas de sexo ou de nudez, que foram assunto de varias discussões entre os actores, os técnicos e o próprio encenador. A realidade dos gestos, a necessidade de despir-se e até as falas foram estudadas e ensaiadas várias vezes para serem depois apresentadas ao público na melhor maneira possível.

Um outro aspecto fundamental para a realização de uma peça teatral, bem descrito no documentário e fundamental para nós como grupo da turma de Prática Teatral, tendo o prazer de trabalhar com os alunos do curso de Musica na Comunidade, é a música. Em “Ensaio sobre a Cegueira” a música é original e foi gravada de propósito por uma orquestra e um coro infantil. Acho que esta ideia da gravação poderia ser interessante para a realização da nossa própria peça e para desfrutar em pleno as capacidade dos nossos colegas músicos. Além da actuação e da gravação, o filme relata também o difícil trabalho do técnico do som. Assim percebemos que se pode introduzir sons em loop, que se pode construir um jogo entre as vozes dos actores e a música de maneira a representar cada vez melhor as ideias e os sentimentos contidos no texto.

Uma companhia de teatro é um conjunto de pessoas e como tal, ao longo dos vários meses de trabalho para esta obra, aconteceram também episódios de nervosismo, de tensões e de lutas. O documentário apresenta também estas situações onde por vezes o encenador teve de impor autoridade ou onde os actores revelaram, entre choros e gritos, como é difícil fazer bem este trabalho. Também com o aproximar da estreia, onde o próprio José Saramago esteve presente, o nervosismo aumentou e com ele a superstição do azar e a tensão. Se, por outro lado, vimos esta situação doutra perspectiva, apresentada igualmente no filme, podemos dizer que com o nervosismo fez aumentar também o espírito de equipa, a solidariedade e a força de todo o grupo, que permitiu, no dia da estreia e em todos os outros a seguir a realização de um bom trabalho.

Em termos de escolhas de montagem do filme a duplicidade das cenas dos ensaios e da peça ultimada contribuiu sem dúvida para a melhor percepção de todo o trabalho porque assim assistia-se, relativamente a cada aspecto da preparação, ao percurso e depois ao resultado final, ou vice-versa.

A visão deste documentário permitiu-nos perceber, em primeiro lugar, a importância do trabalho de equipa e a complexidade da realização de uma peça teatral. Aspectos como estes irão ser-nos muitos úteis na altura da preparação da nossa pequena (quase inclassificável em comparação ao “Ensaio sobre a Cegueira”) peça teatral ou mesmo mais à frente no nosso futuro profissional. O segundo aspecto que este documentário evidenciou foi sem dúvida o profissionalismo e o empenho duma companhia importante como O Bando, autora de alguns dos melhores espectáculos do país.


"Ensaio sobre a Cegueira".Imagem do espectaculo.


"Ensaio sobre a Cegueira".Imagem do espectaculo.
Fonte: quartaparede.wordpress.com