"Ensaio sobre o teatro". Cartaz.
Fonte: revistafim.blogspot.com
Para aprender com os melhores, nesta sessão, em vez de dedicar-nos a exercícios e jogos teatrais, vimos o documentário “Ensaio sobre o teatro” de Rui Simões, cujo promo e ficha técnica foram publicados neste blog, no post anterior. Este documentário relata a preparação, desde o inicio, do espectáculo teatral da companhia O Bando a partir da obra literária de José Saramago “Ensaio sobre a Cegueira” com a dramaturgia e encenação de João Brites. A escolha do documentário por parte do professor teve em conta também um outro espectáculo histórico (nos dois sentidos na palavra) desta companhia ao qual iremos assistir no próximo dia 14 de Novembro e sobre o qual falaremos neste blog mais à frente.
O filme estrutura-se entre as imagens da estreia do espectáculo no Teatro Nacional de S. João no Porto, dia 06 de Maio de 2004, o arquivo de todas as fases da realização, desde o início, e as entrevistas aos actores, ao encenador João Brites e ao próprio José Saramago.
A parte mais interessante, quer ao nível pessoal quer de trabalho nesta disciplina, foi a percepção de todos os trabalhos que estão por trás dum espectáculo, considerando também que o “Ensaio sobre a Cegueira” é uma peça fora do normal por ter uma cenografia muito complicada, um elenco muito grande de actores e uma duração de três horas, alem de ter a dificuldade de partir não de um texto escrito para o teatro, mas dum romance. Também o facto do “Ensaio sobre a cegueira” ter sido escrito por José Saramago, escritor valente, mas bastante difícil e ainda por cima premiado com o Premio Nobel pela Literatura transformou este espectáculo num enorme desafio para a companhia O Bando, que celebrou, com esta peça, os seus 30 anos.
No princípio do documentário é apresentado o primeiro encontro, de 2003, que os actores tiveram com o encenador para começar a trabalhar num estágio em Palmela, onde todos começaram pela coisa mais difícil e mais importante para este trabalho: o ser cego, ou melhor, ou representar ser cego. Assim desenvolveram vários exercícios e actividades, individuais e de grupo, sobre o ser cego, inicialmente de olhos fechados e onde cada um tinha a liberdade de interpretar a situação numa maneira passional e trágica ou fria e o mais possível destacada, e mais a frente de grupo, com regras mais definidas e papeis estabelecidos. O que me impressionou, apesar de ter reparado nisso só mais à frente no filme nas partes em palco, foi a capacidade dos actores de se fingirem cegos mantendo os olhos abertos. No palco, de facto, eles tiveram de saber reproduzir os gestos, as caminhadas e sobretudo a direcção do olhar dos cegos, conseguindo ao mesmo tempo perceber os movimentos dos outros actores em cena e movimentando-se numa cenografia que, como já referimos e como se pode ver no promo, era muito complicada. Este, ao longo do todo o filme, foi o meu maior espanto que provocou uma grande admiração pela capacidade dos actores de representar e, claro, a pena de não ter visto a peça.
Depois dos primeiros exercícios corporais, que continuaram claramente ao longo de todo o percurso feito até à estreia, foi a vez dos treinos vocais, onde se pedia a cada actor que encontrasse uma voz adaptada à sua personagem, mas ao mesmo tempo suficientemente executável para ser mantida ao longo de todo o espectáculo. Este é um trabalho muitas vezes individual de experimentação, de tentativa erro e de reflexão sobre as características da personagem na história e a maneira de representar estas características não só com as palavras e os gestos, mas também com a voz, com o seu tom, a sua cadência e o seu ritmo.
Também o trabalho para a relização da cenografia teve de partir do conceito e das ideias presentes no romance. Por exemplo a cegueira branca, da qual fala Saramago na entrevista, foi reproduzida com um nevoeiro verdadeiro que abraçava também os espectadores das primeiras filas. As estruturas metálicas presentes em cena criaram várias dificuldades, até a nível de segurança, mas foram essenciais para representar a ideia da entrada, ou largada, dos primeiros cegos na quarentena ou mesmo a divisão espacial dos bons e dos maus mais à frente na trama. Foram até introduzidos ligeiros cheiros na cenografia de maneira a deixar o espectador na dúvida de os ter sentido ou não, e para recrear o mais fielmente possível a ideia de cegueira, que obriga a pessoa a desenvolver mais os outros sentidos.
O documentário apresenta também a opinião de outros profissionais, fundamentais para a realização de qualquer espectáculo, como a figurinista, as costureiras e os técnicos de sala. Muitas vezes as decisões foram tomadas em conjunto, ouvindo a opinião dos actores e as suas exigências de conforto e de movimento na cena. Um exemplo emblemático disso são as cenas de sexo ou de nudez, que foram assunto de varias discussões entre os actores, os técnicos e o próprio encenador. A realidade dos gestos, a necessidade de despir-se e até as falas foram estudadas e ensaiadas várias vezes para serem depois apresentadas ao público na melhor maneira possível.
Um outro aspecto fundamental para a realização de uma peça teatral, bem descrito no documentário e fundamental para nós como grupo da turma de Prática Teatral, tendo o prazer de trabalhar com os alunos do curso de Musica na Comunidade, é a música. Em “Ensaio sobre a Cegueira” a música é original e foi gravada de propósito por uma orquestra e um coro infantil. Acho que esta ideia da gravação poderia ser interessante para a realização da nossa própria peça e para desfrutar em pleno as capacidade dos nossos colegas músicos. Além da actuação e da gravação, o filme relata também o difícil trabalho do técnico do som. Assim percebemos que se pode introduzir sons em loop, que se pode construir um jogo entre as vozes dos actores e a música de maneira a representar cada vez melhor as ideias e os sentimentos contidos no texto.
Uma companhia de teatro é um conjunto de pessoas e como tal, ao longo dos vários meses de trabalho para esta obra, aconteceram também episódios de nervosismo, de tensões e de lutas. O documentário apresenta também estas situações onde por vezes o encenador teve de impor autoridade ou onde os actores revelaram, entre choros e gritos, como é difícil fazer bem este trabalho. Também com o aproximar da estreia, onde o próprio José Saramago esteve presente, o nervosismo aumentou e com ele a superstição do azar e a tensão. Se, por outro lado, vimos esta situação doutra perspectiva, apresentada igualmente no filme, podemos dizer que com o nervosismo fez aumentar também o espírito de equipa, a solidariedade e a força de todo o grupo, que permitiu, no dia da estreia e em todos os outros a seguir a realização de um bom trabalho.
Em termos de escolhas de montagem do filme a duplicidade das cenas dos ensaios e da peça ultimada contribuiu sem dúvida para a melhor percepção de todo o trabalho porque assim assistia-se, relativamente a cada aspecto da preparação, ao percurso e depois ao resultado final, ou vice-versa.
A visão deste documentário permitiu-nos perceber, em primeiro lugar, a importância do trabalho de equipa e a complexidade da realização de uma peça teatral. Aspectos como estes irão ser-nos muitos úteis na altura da preparação da nossa pequena (quase inclassificável em comparação ao “Ensaio sobre a Cegueira”) peça teatral ou mesmo mais à frente no nosso futuro profissional. O segundo aspecto que este documentário evidenciou foi sem dúvida o profissionalismo e o empenho duma companhia importante como O Bando, autora de alguns dos melhores espectáculos do país.
"Ensaio sobre a Cegueira".Imagem do espectaculo.
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