3 de janeiro de 2010

Reflexão final

Fazer uma reflexão final antes do fim pode parecer uma contradição dos próprios termos, mas, sendo a véspera da estreia da nossa peça o prazo para a publicação de posts neste blog é esta a altura duma reflexão final, não só do nosso projecto, mas também de toda a disciplina.

Em primeiro lugar, não posso não fazer uma pequena comparação entre esta disciplina de Pratica Teatral e a cadeira de Teatro e Interdisciplinaridade, que tive o ano passado, sempre com o professor Miguel Falcão. No final do primeiro semestre do ano passado fiquei parcialmente desiludido quando a disciplina de Teatro e Interdisciplinaridade porque achei quer as aulas, quer o projecto pretendido para a avaliação muito, se calhar demasiado, teóricos e pouco inerentes ao teatro. Este ano, pelo contrario, saio (esperamos) com satisfação desta disciplina.

De facto, podemos dividir o trabalho feito até agora em duas partes: a primeira, assim como se pode verificar neste blog, mais dedicada aos exercícios teatrais e a experimentação de diferentes técnicas teatrais; a segunda ocupada inteiramente do trabalho de preparação e realização da nossa peça “Os cornos de Cristo”.

Quanto à primeira parte do semestre, acho fundamental que futuros profissionais da ASC, como nós, conheçam algumas dinâmicas de grupo realizadas graças ao teatro e, como já afirmado, a única maneira de aprender e saber dinamizar estas actividades de um modo profissional e animado é experimentar em primeira pessoa a própria dinâmica no papel de participantes. Também a descrição e a reflexão sobre cada exercício, que nos foi pedida como método de avaliação, é fundamental para sistematizar o trabalho feito, para reflectir sobre o mesmo e para saber dinamizá-lo num futuro próximo. Para além disso, o desafio de pôr-se em jogo frente aos outros criou um ambiente positivo quer nas duas turmas de ASC, quer entre estas e a turma de Música na Comunidade.

Um outro aspecto fundamental é a experimentação de novas e diferentes técnicas teatrais, assim como fizemos para o teatro dos objectos, o teatro das sombras e o teatro de actor. Conhecer, promover e dinamizar actividades novas e novos métodos de trabalho com os nossos públicos-alvo é um objectivo intrínseco da ASC e, mais uma vez, a experimentação em primeira pessoa é fundamental. Com o conhecimento e a reflexão feita sobre estas novas técnicas poderemos contribuir para levar cada vez mais novos estímulos aos destinatários das nossas acções.

Passando a tratar o nosso pequeno projecto teatral de grupo, não posso negar uma ligeira frustração por não ter realizado um projecto teatral como grupo turma, como previsto no início da cadeira. Teria sido uma ocasião, tão rara no nosso curso, de trabalhar em grande grupo, com papéis e responsabilidade diferentes, para chegar a um resultado final em conjunto. Como sabemos, graças também aos posts precedentes neste blog, esta oportunidade não foi concretizada e, no final do mês de Novembro, começámos a trabalhar a um projecto com um grupo de 6 pessoas.

Com o trabalho quase concluído posso afirmar que trabalhámos bastante bem, dividindo, como espero se reflicta neste blog, o trabalho em partes e tentando trabalhar cada parte com o máximo de seriedade possível. A nossa escolha, uma novela do Decameron de Boccaccio, é sem dúvida provocatória e irónica, tratando temas “picantes” também nos dias de hoje, e não só no século XIV. Este seu carácter provocatório criou-nos alguns problemas e, a poucos dias da estreia, continuo pessoalmente a ter algum receio de ofender a sensibilidade das pessoas e de ter construído, com os meus colegas, um texto um pouco obsceno. Por outro lado, estou muito contente da nossa escolha porque acho a trama da novela genial e o próprio facto de ser um clássico da literatura italiana escrito no 1300 torna-o ainda mais fascinante. Continuando a reflexão sobre as possíveis utilizações das actividades desenvolvidas ao longo desta cadeira e sobre o proporcionar elementos sempre novos e inéditos aos nossos públicos acho que a nossa escolha e o nosso trabalho para a realização da peça vai neste sentido.

O facto de ter de montar um espectáculo completo deu-me a possibilidade, pela primeira vez, de pensar e tratar de todos os aspectos necessários a boa realização do mesmo: a escolha do texto, a cenografia, os figurinos, a música, as entradas e as saídas, a adaptação dum texto em prosa para um texto teatral, os ensaios e o factor tempo. Graças a esta nossa experimentação retenho-me capaz agora de refazer um novo espectáculo, sempre, como o nosso, pequeno e amador, com as pessoas com as quais irei trabalhar. É um facto que, ao longo deste projecto, recorremos poucas vezes à ajuda do professor, arriscando assim não satisfazer os objectivos pretendidos, mas, na minha opinião, esta autonomia nasce da boa divisão do trabalho que fizemos e do entusiasmo que cada membro do grupo demonstrou nas diferentes fases do projecto.

Finalmente queria propor uma pequena reflexão sobre este blog. Cada vez que publico um novo post acho esta plataforma mais direccionada aos objectivos pretendidos e explicados no primeiro post. Graças a este formato consegui acompanhar regularmente o trabalho feito, também fora da sala de aula, e neste último mês vi que este blog serviu de ajuda para outras pessoas, assim como nos propósitos iniciais. Ainda não sei se depois do fim deste semestre continuarei escrever neste blog, mas sem dúvida, até agora este demonstrou-se uma boa ferramenta de trabalho, também na óptica de aproximar o nosso trabalho académico com as novas tecnologias.

Depois deste post faltará só a actuação da nossa peça, no dia 5 de Janeiro, que, mesmo corra mal, não prejudicará todo o trabalho feito até agora, que na minha opinião foi enriquecedor e estimulante.

Música e cenografia

Como já referido escolhemos também utilizar a música em duas partes do nosso espectáculo: o intermezzo e o final. Para fazer isso e para procurar temas da mesma época da nossa novela pedimos a ajuda do professor Paulo Rodrigues que nos aconselhou três canções do ensemble Clemencic Consort.

Assim como apresentamos aqui o guião da peca achei correcto publicar também os extractos das duas canções que preparámos.


Música para o intermezzo
Fonte: Autoria própria


Música para o final
Fonte: Autoria própria

Quanto à cenografia tivemos algumas dificuldades em encontrar um crucifixo para por na parede, suficientemente grande e suficientemente barato, sendo esta uma produção a custo zero. Por isso decidi pintar um Cristo, utilizando uma imagem impressa para a cara, canetas de cor e tintas acrílicas. O resultado é este, mais um Cristo hippie do que um Cristo do século XIV, mas se calhar um Cristo hippie até faça mais sentido, numa peça como esta.


Cristo hippie
Canetas de cor e tintas acrilicas sobre cartão
Fonte: Autoria própria

1 de janeiro de 2010

Guião

Sendo o dia 4 de Janeiro a véspera da nossa estreia, o dia do ensaio geral e também o prazo último para a publicação oficial de posts neste blog decidi apresentar aqui o guião da nossa peça. Este guião, como já explicado nos posts anteriores, é o resultado de um trabalho feito quer a partir das duas versões escritas da novela, a portuguesa e a italiana, quer com base nos exercícios feitos nos ensaios por todos os participantes do grupo. A divisão das cenas, apresentada em cor-de-laranja, recupera a tabela feita no inicio do nosso trabalho e as falas apresentam-se sobretudo como uma ajuda aos actores, não como o texto definitivo. Isso porque, ao longo dos ensaios, vimos que, por vezes, o entusiasmo em representar, que julgamos nós será até maior no dia da estreia, leva-nos a modificar ligeiramente as falas aqui reportadas. O que interessa, e o fim último deste guião é a definição dos pontos chaves em cada cena, como a nomeação das outras personagens, as palavras que desencadeiam uma acção predeterminada feita por um outro actor e as falas mais engraçadas. Destas partes, no dia da apresentação, não podemos esquecer-nos, está em jogo todo o trabalho feito até agora e a boa realização da inteira peça.

Cena 1 Jardineiro velho vai-se embora
Só falas atrás da cortina, vozes tranquilas mas chatas
Voz 1 – “Põe isto aqui
Voz 2 – “Este trabalho está mal feito, senhor jardineiro
Voz 3 – “Agora tem de voltar a fazer tudo de novo à maneira, oh meu senhor
Jardineiro velho (zangado) – “Agora vou mas é embora. Estou farto de vocês e dos vossos trabalhos, nunca estão contentes e ainda por cima o salário é tão pequeno que nem dá para pagar as solas dos meus sapatos, adeus!
O jardineiro velho sai de atrás da cortina e entra em cena

Cena 2 Chegada do jardineiro velho à aldeia, festa e encontro com Masetto
O jardineiro velho sai de atrás da cortina e anda sozinho na cena ao encontro de um grupo de pessoas que o acolhem
Pessoas saem de atrás do placar preto
Aldeão 1 – “Bem-vindo amigo, há quanto tempo!
Aldeão 2 – “Finalmente de volta, depois de tantos anos de trabalho, sê bem-vindo, pá’
Masetto – “Então, conta-nos onde é que foste e porque é que voltaste?
Jardineiro velho – “Ai, Masetto, fui trabalhar muitos anos como jardineiro, num convento de freiras. Mas as freiras eram umas chatas, todas ainda jovens, nunca estavam contentes com o meu trabalho, havia sempre algum motivo para refilar e olha, ainda por cima, o ordenado era mínimo, nem dava para uma pipa de tabaco. Então fui-me embora, já estava farto, pá’
Masetto – “Eh lá… freiras todas jovens…
Jardineiro velho – “Sim, todas recém-ordenadas e chatas. Havia lá mais um feitor, que era o meu chefe, ele até me pediu para arranjar um substituto, mas quem é que quer ir lá, para aquele inferno!
Masetto – “Tens razão, meu amigo, que há de um homem fazer no meio das mulheres? Antes estar com diabos! Seis vezes em sete, nem elas próprias sabem o que querem.
Jardineiro velho – “Pois, malditas sejam, olha vou-me embora, que ainda tenho saudades de casa e da comida da minha irmã.
Masetto – “Adeus, adeus, mais uma vez bem-vindo e obrigado
Jardineiro velho e outros aldeões caiem da cena atrás da cortina e fica só Masetto

Cena 3 Masetto pensa sozinho
Masetto sozinho pensa em voz alta, andando de um lado para o outro da cena
Masetto – “Eh pá, freiras jovens e recém-ordenadas é um bom prato! Não posso deixar fugir esta ocasião. Vou já para o convento ver as meninas e para fazer com que o feitor me aceite como jardineiro. Não espera lá, de certeza que a mim, alto, bonito e jovem como sou, não me aceitam, sou demasiado tentador para todas as raparigas, imagina para uma freirita. Tenho de pensar num truque …mmhhh… já sei, o convento fica longe daqui, lá ninguém me conhece, posso fingir que sou mudo e assim elas até irão ter pena de mim, eheh!
Masetto põe-se a andar em direcção da cortina (convento)

Cena 4 Masetto chega convento, encontra o feitor e madre superiora
Feitor sai do convento
Masetto encontra o feitor a trabalhar
Com os gestos tenta comunicar que tem fome e quer trabalhar
Feitor – “Tens fome né? Queres trabalhar? Pareces-me bastante forte, toma, começa a arar aqui o campo da horta, já vamos ver se és capaz, arranja-me esta horta.
Masetto começa a trabalhar e entretanto chega do convento a Madre Superiora
Madre Superiora – “Ai nossa santa virgem, senhor feitor, quem é este jovem e o que que ele faz aqui?
Feitor – “Bom dia madre, este é um pobre surdo-mudo que passava por aqui, tentou fazer-me perceber que tinha fome e que queria trabalhar e então pu-lo a arranjar esta horta, que está a precisar desde que o outro jardineiro se foi embora. Queria também perguntar à madre se ele podia ficar a ajudar-me nos trabalhos, estamos mesmo a precisar e ele, cuidado, é surdo-mudo e parece-me também um pouco estúpido, mas lá que sabe trabalhar, sabe!
Madre superiora – “Então está bem, se você diz que estamos a precisar que assim seja, se calhar podemos também ajudar este filho de deus perdido, dê-lhe comida e ponha-o a dormir na barraca” e depois para o Masetto “sê bem-vindo rapaz, a família de deus acolhe-te nos seus braços como um filho
Masetto ri-se

Cena 5 Masetto a trabalhar e duas freiras jovens
Masetto trabalha sozinho no campo e ao convento chegam da esquerda duas freiras jovens falando entre elas
Freira 1 – “Se eu soubesse que tu não o contarias a ninguém, eu revelar-te-ia um segredo
Freira 2 – “Diz amiga, sabes que eu não abro a boca com ninguém
Freira 1 – “Nós estamos aqui fechadas nestas quatros paredes, mas eu ouvi dizer muitas vezes das mulheres da aldeia que toooodos os prazeres do mundo não são nada comparados com os prazeres da carne, tanto que eu fiquei com uma certa curiosidade. Só que os únicos dois homens aqui são o feitor, que é mais velho que o meu pai, e este jovem aqui, estúpido e surdo-mudo. Com toda esta curiosidade que tenho decidi experimentar com este rapazinho.
Freira 2 – “Mas…mas… o que estás a dizer? Nós prometemos a nossa virgindade ao Senhor, nós estamos casadas com Cristo!
Freira 1 – “Eeeeeh… nós prometemos, agora já ninguém está a ver se mantemos a nossa palavra. Olha este rapaz é perfeito, é bonito e parece mesmo bom, e ainda por cima é mudo! Mesmo que quisesse não vai contar a ninguém! Vamos fazer assim, eu levo-o à barraca onde ele dorme e tiro-me todas estas curiosidades que tenho e tu ficas cá fora a ver se alguém aparece e depois trocamos, boa?
Freira 2 – “Então está bem, agora despertaste também a minha curiosidade!
Masetto, olhando para o público, ri-se
A freira 1 vai buscar por mão Masetto, pega-lhe na mão e leva-o para atrás da cortina enquanto a freira 2 fica à porta com curiosidade.

Cena 6 1ª Cena de sexo
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
A freira 1 sai super contente, vai-se embora e troca com a freira 2

Cena 7 3ª freira e 2ª Cena de sexo
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
Do lado esquerdo entra a terceira freira, vê os barulhos atrás da cortina e pensa sozinha:
Freira 3 – “Aaaaaah…mas o que é isso? Aqui no convento? Tenho de ir contar a madre superiora….pausa para pensar….eh espera aí, não está aqui ninguém, se calhar olha vou ver como é que este rapazinho diz o rosário!
Freira 3 entra atrás da cortina e empurra para fora a Freira 2
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
Freira 3 – “Ai se a madre sabe disto…

Cena 8 Masetto a dormir e madre superiora
Masetto sai de atrás a cortina e deita-se cansado perto da parede
Entra a Madre Superiora do lado esquerdo
Madre Superiora – “Avé Maria cheia de graça….ai Avé Maria tu olha-me para este rapazola… não é só surdo-mudo, estúpido e bom jardineiro como tem uma vela por baixo destas calças…Ai não, meu deus, tira-me estes pensamentos carnais, … mas também não está aqui ninguém…
A Madre Superiora acorda o Masetto e leva-o para atrás da cortina
O Masetto ri-se

Cena 9 4ª Mini-cena de sexo e Masetto cansado, madre superiora arranja turnos
Atrás da cortina a mexer a cortina e a fazer barulhos e vozes
Masetto cansado sai da cortina e a madre superiora vem atrás dele
Masetto – “Eh pá…oh minha Madre Superiora…eu bem sei que o galo toma conta de dez galinhas, mas dez homens não satisfazem uma mulher eu cá estou sozinho com 4, estou tão cansado que não me aguento em pé nem eu nem o meu amigo cá em baixo, apesar dele ser muito religioso
Madre Superiora – “Aaaaaaahhhhh mas tu falas! como é que isso é possível? é milagre! Fui eu com a minha amiga cá em baixo, que também é muito religiosa?
Masetto – “Não sei, se calhar, depois de trabalhar tanto com as freiras Deus devolveu-me a fala, mas agora não interessa, vossemecê tem de encontrar uma solução!
Madre Superiora – “Mas como? Já andaste com todas? Já não sou o teu torrãozinho?
Masetto – “Sim, todas já rezaram o rosário cá com o meu amigo eheheh” ri-se
Madre Superiora – “Agora aqui temos um problema, não podemos mandar-te embora, está em causa a santidade do convento, e ainda por cima eu estou a gostar de rezar assim hihihi. Olha, vamos fazer assim: vamos arranjar turnos, tu de manhã trabalhas na horta e à tarde e à noite tratas das outras hortas, o que achas? Ai nossa senhora santíssima que bênção!
Masetto – “Por mim está bem, desde que tenha subsídio de férias e de Natal, que vocês cansam-me a rezar ehehe

INTERMEZZO Calendário
Com música, sem falas, o Masetto trabalha na horta e vai atrás da cortina, repetidamente enquanto o técnico de cena tira as folhas do calendário e as deixa cair no chão.

Cena 11 Masetto volta a aldeia e comenta com o amigo, põe os cornos
Depois do intermezzo o Masetto, sozinho, sai do convento e vai em direcção da aldeia onde encontra um seu amigo.
Amigo – “Eh, Masetto, tanto tempo, onde foste?
Masetto – “Viva, amigo, sabes, trabalhei a vida toda. Agora volto finalmente para a terra, cheio de dinheiro, com muitos filhos que nem tenho de sustentar e forniquei até mais não ahahah…Sabes? Eu acho que esta é a maneira de Cristo de compensar quem lhe tira os espinhos e lhe põe os cornos ahahaha

Música, pano

Fim